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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 5 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Sexta-feira 16/8/2019 16:53:46 Uma vez mais, a Festa de Agosto - repetida ano a ano há quase ou mais de 200 anos pelas ruas centrais de Montes Claros - reserva surpresas. Uma voltou a ocorrer, hoje. Quando a banda da PM, implantada nos anos 50 pelo benemérito sargento Nadir, quando a banda passava pela Rua Camilo Prates, encerrando o cortejo do Reinado de São Benedito, seus membros receberam ordem de estacar, parar. O cortejo seguia. A banda parou no meio do quarteirão. Os músicos voltaram-se todos para um baixo muro de pedras, escuras. E passaram a tocar, sem aviso, a música que é o Hino da Nação Montesclarina, felizmente hino não oficial, a modinha Amo-te Muito. Poucos dispunham de informação para avaliar o momento, de emoção. Na casa de muro baixo, de pedras escuras, vindas de Grão Mogol, ali há cerca de 5 anos sua moradora resiste aos sintomas da doença da idade - o Alzheimer. Chama-se Zezé Colares, tem 89 anos, 5 filhos. É mecenas de Montes Claros. Migrou da agenda de socialite, das colunas sociais, para a benemerência cultural. A maior parte do tempo dorme, como uma bela adormecida. Serenamente, como nas histórias, estórias. Ontem, ainda ontem, foi levada para a varanda por onde passou o Reinado de Nossa Senhora, do Rosário. Nesta mesma festa, há mais de 80 anos, a menina Zezé, aos 4 anos, foi a rainha, na década de 30. Era tão difícil conseguir a vaga de Rei ou de Rainha de um dos desfiles que a escolha só podia ser feita por sorteio, entre tantos pretendentes. E um tio materno dela, solteiro, havia sido o sorteado. Então, Zezé e seu irmão Dio Colares foram os soberanos, imperadores do Divino. No começo desta tarde, a banda da PM então voltou-se para a casa de muro baixo e pedras escuras, e tocou o Amo-te Muito. Por merecidos motivos, interpretando o sentimento da cidade. Além de despertada cedo para os valores e princípios da cultura do sertão, Zezé, como foi dito, avançou da agenda social para a benemerência cultural, aí pelos anos 70. Fundou o Banzé e, com ele, levou centenas e centenas de jovens a visitar o mundo, percorrendo festivais em países da Europa e das Américas, arrancando aplausos para a alegria incomum que aquele corpo de jovens exibia por toda parte. Lembro-me bem: há 30 anos, numa cidade de altos penhascos sobre o mar da Normandia francesa, um produtor da TV despencou-se da torre de filmagem e aproximou-se de Zezé, aflito: - Senhora, por favor me explique: de onde esses seus jovens armazenam tanta alegria, impossível de ser vista, neste nível, no meu país, a França? Zezé ainda trouxe grupos de muitos países a visitar Montes Claros. E o intercâmbio, jovens de lá e de cá, reunidos pela cultura, pela arte, pela música, pela dança, produziu frutos. Enquanto a banda hoje tocava o Amo-te Muito, esta história de transmigração passou como num filme, no muro baixo de pedras escuras, na tarde ensolarada dos catopês. *** Domingo 8/3/2020 11:38:25 PS. Devo acrescentar. Somos primos. A mãe de Zezé é Narciso Soares, irmã do meu pai. Gente retirada, do arrebol, os 2: o do Levante e o Crepuscular. Existimos desde sempre do outro lado da ponte da Vila Brasília, uma plantação de uvas, videiras, e de sonhos, e onde no princípio do século passado uma família vinda de Diamantina para a cidade de 3 mil habitantes produzia vinhos finos, para missas, com uvas pisadas em grandes tonéis. Como nos filmes bíblicos. Eu ainda peguei o pisoteio, eu me lembro. Zezé teve vida de princesa, linda, educada nos melhores colégios, casamento com príncipe - o nunca igualado gentil homem chamado João Carlos Pena de Araújo Moreira, tão de todos nós. Por tempos, a vida social de M. Claros passava por ela. O Brasil tinha Carmen Mayrink Veiga. Nós, sempre teremos Zezé. Ela - com o empurrão de dona Marina - migrou para o mecenato. Foi pelo mundo cantar Montes Claros. E a modinha Amo-te Muito falava por nós, mais que tudo. Também vi, ouvi. Sua retirada agora, longamente cultivada numa cama de bela adormecida, é a parte conclusiva deste filme. Nos últimos anos, onde passo a maior parte do tempo é ensinado que o universo, de Uno, é um só e único giro, pois nada é particular e próprio. Também é revelado, de boca a ouvido: quando o discípulo está pronto, o mestre aparece... Rumi, poeta persa do século 13, o mesmo século de Francisco de Assis (e do Mestre Eckhart), o poeta Rumi nunca se cansou de ensinar, de repetir, de ciciar, como ainda agora: ´Na verdade, somos uma só alma, tu e eu. Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti. Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo, Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.´ Portanto, inútil procurar por Zezé onde depositamos o seu corpo na torrencial chuva de segunda-feira, na penumbra que é só, e sempre será, o começo da eterna madrugada. Pois tudo gira. Amanhã (às 19, 30, na Catedral), cantaremos para Zezé o ofício da Ressurreição. Os albores, arrebóis. Levantes e Crepúsculos. Começos, recomeços.

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