TEMPOS DE PENITÊNCIA PARA CHOVER
Da nossa reminiscência guardamos coisas fantásticas. Há cinco meses, da janela do nosso apartamento – chovia muito - eu deslumbrava aquela precipitação que evitava avistar a cordilheira do espinhaço que divide o vale do Jequitinhonha do nosso Verde Grande; olhei para outro lado avistei a igrejinha no alto do morrinho.
Logo veio uma lembrança que não foge de mim – dos tempos de penitência por meio de procissões, impetrando a Deus para chover – emocionado veio um nó na garganta que parecia nunca desfazer.
Em período prolongado de estiagem, um grupo de cristão reunia na igreja do Asilo São Vicente de Paula para uma caminhada até ao pé do cruzeiro da Igreja do Morrinho. Um grupo liderado pela minha avó Alzira Ponciano; Dª Henriqueta Pereira; Dª Antônia Rabelo; Dª Emilia de Juca; Dª Dica Lafetá; Dª Nenza Biondi e Dª Dona Joaninha Procópio (esta última, monitorava da Estação Climatológica que ficava à Rua João Souto c/ R. General Carneiro) – ao longo da caminhada, outras religiosas e religiosos integravam o grupo de romeiros – uma delas lembro de Dª Guilhermina Macêdo que morava na Rua Melo Viana.
Todas elas sempre narravam histórias para nos animar, diziam que depois do grande período de estiagem dos idos anos 30 e 50 – com as penitências, tiveram uns bons anos de chuvas – diziam que os percursos das precisões eram muito mais longos que o trecho da Igreja de São Vicente ou da Matriz para a colina de (*) Dona Germana Olinda.
Nós, os peregrinos: crianças, adolescentes, homens, mulheres e padres – carregavam a fé que alimentava a esperança. Nas cabeças e nas mãos, latas e potes de barro com água e flores, pedras na cabeça e ramos de mato e capim e a imagem da padroeira do Brasil. – Eu “penitenciava” levando na mão direita a imagem de São José, e, na outra, um ramo de flores do ipê amarelo e uma flor de copo de leite. - Rezando o percurso todo!
Aos pés da Santa Cruz, todos fiéis ajoelhavam e rezavam e pediam a Deus para mandar a chuva. Depois, lavavam a base do madeiro [cruz], que na época traziam os símbolos do martírio de Jesus Cristo, depois íamos no meio do largo da igreja aos pés da imagem de Cristo (cercado por um balaústre de alvenaria) jogar mais água e flores.
Lá de cima do morrinho era possível enxergar e lamentar os estragos deixados pelas chamas na vegetação da Serra do Melo [sapucaia] – não eram queimadas criminosas, e sim, uma tradição dos produtores da época. Para amenizar o sacrifício sob o Sol ardente, todos com bonés, chapéus, lenços e sombrinhas.
Com a fé inabalável nos poderes de Cristo e São Pedro – de olhos voltados para o céu, todos de mãos dadas, rezavam outras orações e suplicando que eles mandassem a chuva,
Das peregrinações que os fiéis faziam - a mais penitente era do percurso da Praça da Matriz – onde reunimos ao lado do Coreto, seguia pela Rua Dr. Veloso, encontrava com um grupo de idosos da Igreja do Asilo - subia pela Rua General Carneiro, tomava a Rua Melo Viana, chegava na ladeira Cônego Quirino até o Largo da Igreja. Sempre éramos recebidos por Dona Geralda “parteira”, Dona Sinhá, Dona Iaiá e pelo folclórico Manoel Quatrocentos – todos moravam no Morro da Igreja. > Manoel Quatrocentos deixava suas brincadeiras para depois do fim das cerimônias. – “Olha lá a chuva! - ô Lá laica”, – dizia brincando.
Toda trajetória da peregrinação, as orações eram um só coro – as crianças à frente dos adultos - como manda a tradição; eram nove dias de penitências, mas, muitas vezes antes de completar a novena da fé, a chuva caia.
Certa vez – por volta das 16;00 horas - quando chegamos lá em cima da colina - depositamos os apetrechos no pé do cruzeiro, começamos as cantigas, e, logo começou um evento de trovões e ventania, desceu um “pé d’água” daqueles com pedregulhos de gelo e ventos, logo acalmou; fomos acomodados na casa da Dona Geralda por mais de uma hora – as mangas caíram das mangueiras da casa do Manoel Quatrocentos (onde hoje fica a Intertv) – Dona Geralda “parteira” serviu de lanche para a criançada (pão com salame e Ki-suco de uva), e para adultos café com bolo de fubá.
Três dias depois do vendaval iniciaram de fato o ciclo das chuvas, que perduraram por mais de quatros meses com poucos dias espaçados de sol e chuva.
Os produtores rurais agradeceram a DEUS pela fartura do milho, feijão, arroz das baixas e bois gordos.
A mesma molecada que iam as penitências, sem que os pais e os avós soubessem – usavam o dedão do pé e o calcanhar para desenhar o olho de boi para a chuva parar. Mas, quando eram descobertos, ficava uma semana sem jogar “finca” - bolinha de Gude ou “bentealtas” (cabaspará).
Hoje estamos presos aos dados compilados pela tecnologia (Tiktok e as redes sociais). - Só DEUS na causa!
Para finalizar: A fé está acabando e tem muitos Abutres da Seca que torce para não chover devido o "conflito de interesses” - Vamos reforçar a fé para a vinda da chuva lendo o Salmo número 65.
(*) Há 122 anos 15/11/1902 - Faleceu Dona Germana Maria de Olinda, aos 86 anos de idade. Nasceu em Minas Novas. Mudando-se para Montes Claros, construiu, em cumprimento duma promessa, a Igreja do Senhor do Bonfim, situada no alto do Morrinho, com esmolas e donativos arrecadados por ela, com aquela finalidade, aos quais acrescentava, não raro, o pouco que possuía de suas parcas economias. A Igrejinha, que tinha o modesto nome de Capela, foi inaugurada a 14 de setembro de 1886, com procissão saída da Matriz e bênção do padre Manoel da Assunção Ribeiro, então Vigário da Freguesia. A Capela tinha o nome de Santa Cruz do Morrinho e a imagem foi doada pelo Dr. Antônio Augusto Velloso estando em ruínas, foi reconstruída por ordem do Engenheiro Dr. Demósthenes Rockert e reinaugurada a 29 de fevereiro de 1948.
XXIX – IX – MMXXIV - Dia de São Miguel – aquele que abre as cortinas da chuva
(*) José Ponciano Neto é Escritor, Historiador da Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas (AMALEN) e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros (IHGMC) – colunista literário (colaborador) do site montesclaros.com e colaborador do Novo Jornal de Notícias.
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