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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 7 de novembro de 2024
 

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Mensagem: ´Sex 17/08/18 - 8h - Choveu agora, na manhã do Reinado de São Benedito, em M. Claros. Tempo segue “fechado”, e previsão é de 5mm, “a qualquer hora” De fato. Nos últimos 23 anos, hoje foi o segundo dia em que choveu durante as Festas de Agosto. Os catopês, marujos e caboclinhos que sustentam a festa, como fazem nos últimos quase 200 anos, cantando e dançando desviaram-se de poças de água em alguns pontos do asfalto, na manhã serena e esplendidamente temperada. São Benedito, do céu, protegeu. Nossa Senhora do Rosário, ontem festejada, amparou. E o Divino Espírito Santo, cuja data amanhã comemoraremos, exultou. É um mistério o que os catopês, marujos e caboclinhos conseguem operar nas ruas. Vi pessoas carrancudas, inicialmente irritadas com o bloqueio do trânsito, transformarem o cenho num sorriso iluminado. E irem às lágrimas. A festa revigora-se. Mudou o calendário local. Por décadas, os montes-cearenses ausentes vinham para a Exposição Agropecuária, no começo de julho. Agora, não mais. A festa que puxa os ausentes/presentes, e os faz chorar abertamente pelas ruas, é a Festa de Agosto, provavelmente mais velha do que o próprio município, que em 2032 completará 200 anos de cidade autônoma. O ritmo forte dos catopês, no seu trajeto insubstituível até a Igreja do Rosário, desperta nas almas uma emoção intergeracional, capaz de comover pessoas de todas as idades. Nascida como festa religiosa escrava, transformou-se em rotunda manifestação cultural, forte, fecunda. M. Claros imemorial ali se apresenta, se explica, canta, chora e exulta. E ministra exemplos, predica o bem. Tento explicar. Quem esticou os olhos viu. São pedreiros, ajudantes de pedreiros, mecânicos, muitos carroceiros, pintores, por vezes desocupados, gente simples. E os adventícios, seduzidos pelo que não acha explicação, pois explicado está. Fazem o que fazem porque viram os pais fazerem. Viram os avós fazerem. E, também, os bisavós, os avoengos todos. E, agora, ensinam aos filhos e netos. De alguma forma, a festa chora e celebra a impermanência, a volatilidade, para render-se a ela, conformar-se. E, assim, conservar, reter, o dançante que vai. Alguns dos últimos mestres históricos despediram-se recentemente. Primeiro, Senhor Catopê, carpinteiro. Depois, o genial pedreiro Joaquim Poló, dos caboclinhos. Em seguida, o humílimo Expedito, mestre do Terno de S. Benedito. Neste janeiro, deixou-nos mestre João Faria, irmão de Tonão, irmandade que é cara, e é a cara dos catopês nos últimos 60 anos, ao lado de Zanza, o mais longevo dançante. Pois bem. Quem esticou os olhos viu, ontem e hoje. E talvez amanhã, no meio do silêncio e do mistério. Um rapaz de 18 anos, sem qualquer aviso externo, incorporou-se no lugar do avô, ocupou seu lugar. Hoje, no Reinado de S. Benedito, a transmigração foi mais visível. O Segundo Terno de Nossa Senhora do Rosário veio com um estandarte, e nele a foto de João Farias, gigante de mãos imensas, sorriso largo, um dos carroceiros mais conhecidos de M. Claros. No trajeto até o Rosário, várias vezes, sem avisos, sem presságios, o grupo rodopiou em torno de si, acentuou o ritmo, elevou a cantoria, e inclinou-se. Inclinou-se diante da evocação do mestre carroceiro morto, todos voltando-se para o estandarte. Coisa de filme. Na porta da Igrejinha do Rosário, quando o cortejo chegou a termo, o grupo repetiu o cerimonial. Espontâneo. Um fez, os outros seguiram. Tornaram a rodar em torno do estandarte. Aceleraram os tambores. Mais alto, mais forte. E cantaram, cantaram, como se o mestre ali voltasse. Como ali esteve, no agosto passado. Tonão, o irmão mais velho do que os 74 anos de João, e que ontem não apareceu, decerto viu tudo, abrigado no banco da igreja, onde a idade o fez refugiar-se, e onde se protegeu da emoção. Lá fora, no rufar incomum dos tambores, era o irmão que se incorporava no neto, 50 anos mais novo. Ungido como sucessor na tarefa de conduzir os louvores aos santos da devoção. A isto se chama tradição. Autêntica. Legítima. Ainda que tenham nenhuma consciência disso. Assim, seguem os Catopês, Marujos e Caboclinhos. Afinal, reconhecidos, e aplaudidos pela população, como o cerne de nossa ancestralidade. Se perguntarem porque fazem isto, repetidamente dirão que não sabem explicar. Mas, sabem fazer. Se deixarem, farão sempre mais, por gosto, por obrigação, por dever e instinto, por centenas de anos mais, à frente. Mas, é preciso lembrar: há mais de 50 anos, foi Dr. Hermes de Paula quem os tomou pela mão, e como um pai impediu que caíssem, e minguassem pelo caminho. E isto, talvez isto, quem sabe isto, explique as lágrimas do caminho. Cada ano, mais.

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