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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 14 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Breves notas, de memória, acerca do velório de Padre Henrique, que começou na tarde de quinta, varou a madrugada de sexta, atravessou o dia e se estenderá à manhã deste sábado. Quando, então, o corpo descerá ao campo santo das monjas carmelitas descalças de Montes Claros. Mosteiro inspirado por ele, Padre Henrique, há 40 anos, tempo em que foi o capelão e confessor das filhas de Santa Tereza Dávila entre nós. - Ainda na noite de quinta-feira. A fanfarra da Casa São Luiz Gonzaga pediu e obteve autorização e foi tocar, em roupa de gala, vermelha, na porta da Matriz do Cintra. Quem viu e ouviu descreve a homenagem da fanfarra ao seu fundador como uma das mais sentidas e emocionantes. - Dentro da nave da matriz do Cintra, desde a tarde de quinta, milhares de pessoas passaram diante da urna simples de Padre Henrique. Urna simples, franciscana, quase tosca. Em alguns momentos, a quantidade de pessoas foi tanta que obrigou a organização de filas. - Padres de muitas paróquias se revezaram oficiando missas noite adentro, e também no dia de hoje. - Às 8h30, sempre no caminhão dos Bombeiros, o corpo deixou a área central de M. Claros e foi conduzido lentamente para a igrejinha de Santiago Apóstolo, última igreja edificada por Padre Henrique. - Igreja diminuta e graciosa, que lembra a Porciúncula de Francisco de Assis. Para sua construção, padre Henrique não permitiu que árvores fossem cortadas. Na frente, um bosque floresce, e tenras palmeiras eram regadas diariamente por ele. Hospitalizado por quase uma semana, ele perguntava - ´quem está regando minhas palmeirinhas?´. - Entre estas árvores, frondosa, verde, está uma de origem indiana, a árvores Neem (se pronuncia Mim), sagrada entre o povo de espiritualidade mais arraigada da terra, há milhares de anos. Tudo na árvore sagrada Neem é curativo, da raiz às folhas. Esta árvore, hoje, muito ajudou a conter o forte calor, de 35 graus, durante a tarde. - A igrejinha esteve cheia durante todo o dia, com missas seguidas. Ali se viu repetir o que aconteceu desde a primeira hora do velório, quinta à tarde. O caixão, isolado por bancos, ficava a pequena distância do público. As pessoas então pediam que terços, escapulários, rosas, chaves, quadros, estampas, fotos, todo tipo de objeto, fosse encostado nas mãos do padre, para se transformarem em relíquias. - Do lado de fora da igrejinha de Santiago, onde se acumulavam centenas de coroas de flores, os mais próximos relembravam as muitas alegrias que Padre Henrique viveu no lugar, desde que recebeu o terreno para a nova obra. Veio sozinho, e num cômodo isolado, no meio do mato, passou a morar. - Relembraram as vezes, muitas, em que deixou o seu quarto, e até sua cama, para nela acolher alguém necessitado, como foi o caso de rapaz ferido por arma de fogo. Ia dormir num sofá junto da biblioteca. - Histórias vão aflorar, a partir de agora, pois a admiração pelo sacerdote, considerado santo, cercou de reverente silencio sua inigualável humildade. - A capelinha de Santiago Apóstolo: no altar, há imagens de S. José, de Nossa Senhora, do Divino Espirito Santo, de S. Luiz Gonzaga, e, última a chegar, a grande réplica de Santiago Apóstolo, entre nós São Tiago Maior, que veio da Espanha, da Catedral de Santiago de Compostela, local mundial de peregrinações. - Minúscula, assim como a Porciúncula, a capelinha de Padre Henrique parece imensa, para caber tudo que nela habita. As estações da Via Sacra foram doadas por artistas da terra. Cada um fez a sua, por própria inspiração, e o resultado é esplêndido. As estações conversam entre si, e também com a Natureza ao redor. - Por volta das 16h desta sexta, quando o calor se acentuou, o arcebispo Dom Alberto iniciou a missa, concelebrada por outros padres. A canícula não afugentou ninguém. - Ficaram todos, cantando e rezando em torno de Padre Henrique, que serenamente parecia dormir. - Conciso, didático, o arcebispo explicou a vastidão do trabalho feito pelo homem que ali era velado. ´Santo´, murmuravam muitos, em muitas oportunidades. - Estava acertado: quando terminasse a missa, o corpo deixaria a igrejinha, o bosque em frente, o último quarto, a biblioteca, o refeitório doméstico, a quadra, as salas de aula, as flores de cheiro, deixaria tudo o que o padre fez existir ali. - As coroas de flores foram enfileiradas em direção à porta. -Cantando, veio a multidão trazendo o corpo, rua a fora. - Haviam decidido que o último percurso terreno a ser cumprido por Padre Henrique - o trajeto entre a casa e o Carmelo - seria pelas mãos da gente, indistinta, a quem estendeu as mãos nos últimos 52 anos. (Há outros dois momentos semelhantes na história recente de M. Claros. Nos anos 60, quando o padre belga Chico se despediu, sempre pedindo para voltar para M. Claros. E quanto Padre Dudu veio, o corpo, da Santa Casa para a Matriz, em noite de litanias). - Assim, por mais de uma hora, cantando e rezando, a multidão foi, a pé, depositar o corpo na capela do Carmelo, diante do altar. (No trajeto, perdeu-se para sempre uma tradição, a de que é incomum, raro, coisa quem ninguém nunca viu, mulher segurar na alça de caixão. Foram exatamente as mulheres, as mães, que mais requisitaram levar o corpo, e o fizeram por quase 10 quarteirões, na tarde quente, de sol intenso). - Quando o cortejo se aproximou do mosteiro, os sinos do campanário começaram a tocar. O toque não sugeria luto, nem lamentação, anunciavam valor acima. Muita gente aguardava. - As carmelitas descalças, que anualmente repetem os votos perpétuos, eternos, na presença do seu capelão, sempre à meia-noite do Domingo de Páscoa, as monjas se levantaram na clausura, e cantaram. - O arcebispo auxiliar, Dom Justino, presidiu a segunda concelebração da tarde, que teve um monge beneditino, de S. Paulo - ainda novo, mas que foi prior de Dom Marcos Barbosa, célebre na Academia Brasileira de Letras e na vida monástica. - Terminada a missa, por volta das 20h, a grande quantidade de pessoas que enchia a capela e os jardins do mosteiro foi avisada de que o velório se prolongaria até às 21h. - Depois, as portas seriam cerradas, para que as monjas carmelitas descalças deixassem a clausura e ingressassem no centro da igreja para cantar, rezar e se despedirem do sacerdote que esteve no centro da vida do ascetério no começo e nos seus primeiros 40 anos. (Aqui, é preciso recordar: Giovanni Francesco di Bernardoni, São Francisco de Assis, morreu na igrejinha da Porciúncula, que fica num vale abaixo de Assis, cidade intra-muros. A meio-caminho, estaciona a igrejinha de São Damião, que ele reconstruiu, depois transformada em mosteiro de Santa Clara, e onde por séculos ficou o corpo da Clara, atualmente exposto na Catedral das Clarissas Morto Francisco, em noite de lamentosa ventania, subiu a procissão de archotes com o corpo. As irmãs o esperavam. Abriram o minúsculo espaço do parlatório para através dele entrar o corpo do santo, na visita última. Clara, com os dentes, ainda tenta extrair os estigmas da mão, o cravo. Pouco depois, o corpo é devolvido, e a procissão ingressa nos muros de Assis, para ser selado à terra). - Quando amanhecer este sábado, vencida a vigília das freiras carmelitas descalças, às 6 horas, as portas da capela do Carmelo vão de novo se abrir para a última e definitiva cerimônia do adeus, ao corpo. - O arcebispo Dom Alberto concelebrará nova missa. - Em seguida, o corpo será levado para os jardins internos, onde - ao abrigo do mundo - repousam as relíquias das carmelitas que morreram no convento. Padre Henrique pediu e recebeu permissão para lá descansar o irmão corpo, exausto. 86 anos. 70 de vida devocional. 40 no Carmelo. 52 em M. Claros. - Do lado de fora, vão aflorar as histórias de sua animosa vida de santo - isto é, a vida de quem vive apartado do pecado. - Algumas histórias hoje começaram a escapar: no CTI, na última visita, apertou a mão do discípulo próximo e murmurou - sem traço de inquietação - ´chegou, é o final´. - Ao formular, depois, o mesmo presságio, religiosa o desautorizou com veemência - ´não, não chegou, eu o proíbo....´. - Os que estavam no CTI ou ali próximos ainda ouviram cantar um Salve Regina e duas outras músicas piedosas. - Ouvindo, lúcido, era o padre que logo partia. ´Eternamente, sacerdote do Altíssimo´.

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