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Mensagem: Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus. O menino tinha três anos. Tinha tamanho de menino, pés chatos de menino descalço, mãos pequenas de menino, corpo magro de menino. Como todos os meninos, pulava brejos inexistentes, soltava barcos de papel na enxurrada e comia fruta caída no chão. Como todos os meninos, conversava com amigos de papel, desenhava coisas mágicas na calçada, gostava de doce bem doce e colorido. O menino tinha três anos. Tinha costela de menino saltando nas costas. Orelha encardida de menino. Curiosidade de menino à flor dos dedos. Perguntas de menino saltando na testa. E medo de menino, nas noites muito escuras. Era um menino. Mas apareceu nos jornais cheio de sangue e lama. Jogaram uma bomba na sua casa. Fizeram uma guerra na sua vida. Mataram seu pai, sua mãe e seus brinquedos. Ele tinha apenas três anos. Foi levado ao hospital cheio de feridas. Elas sangravam por fora e por dentro. Sua pele suja comovia. Seu choro sujo comovia. Sua voz suja comovia. Não sei qual o idioma que o menino falava, mas todos entendiam sua língua. Ele falava a linguagem universal da dor. E porque ele falava de coisas sujas, toda a humanidade sentiu-se suja. Ele tinha apenas três anos. Mas, por detrás dele, havia milhares de adultos armados até os dentes, exibindo suas garras de ódio. Por detrás dele, havia uma centena de milhares de povos indiferentes, comendo indigestamente seu churrasco domingueiro. Ou entoando cânticos nas igrejas, piedosamente. Ele tinha apenas três anos. Como entender todas as circunstâncias? O menino, na sua ignorância de menino, não tinha entendimento de territórios, fronteiras, intolerância étnica, facções religiosas. Ele sequer sabia o nome da capital do seu país. Mas, por tudo isso que ele não sabia, seu corpo, seu mundo, seu sonho foram abatidos. Tiraram uma fotografia do menino de três anos. Ele, menino, apareceu em todos os jornais do mundo. Ele, menino de três anos, perfurou as distâncias, atravessou oceanos, invadiu a paz de nossas casas, fez com que o homem se engasgasse com seu bife ao ponto e a mulher quebrasse a ponta de sua unha vermelha. Na fotografia de jornal, pudemos ouvir seu choro estupefato. Na fotografia do jornal, pudemos sentir a epiderme cheia de feridas e vazia de abraços. Na fotografia do jornal, o menino gritava por colo. Quem pôde dormir com tanto barulho? O choro do menino multiplicou-se, atingiu milhares de decibéis, penetrou na frincha das portas, alcançou-nos por baixo dos cobertores, sacudiu os vidros das janelas, abalou as raízes das árvores. O choro do menino foi o réquiem dos povos sobre a terra. O menino tinha três anos. No último mês a agência EFE informou que mais de 150 mil pessoas morreram desde o início da guerra que assola a Síria há três anos. O menino tinha três anos. De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), ONG responsável pelos dados da guerra divulgados pela EFE, dados informações recebidas de uma rede de ativistas e fontes médicas militares relatam 150.344 mortos pela guerra, entre os quais estão incluídos 51.212 civis, dos quais 7.985 são crianças. O menino tinha três anos. Tinha tamanho de menino, pés chatos de menino descalço, mãos pequenas de menino, corpo magro de menino. Como todos os meninos, pulava brejos inexistentes, soltava barcos de papel na enxurrada e comia fruta caída no chão. Como todos os meninos, conversava com amigos de papel, desenhava coisas mágicas na calçada, gostava de doce bem doce e colorido. Ele tinha apenas três anos. Levaram-no para o hospital, para tentar curar suas feridas, mas ela eram muito profundas. Ele era uma dessas 7.985 crianças, que tinham tamanho, jeito e inocência de menino. O menino morreu. Mas antes de morrer, ele olhou para o enfermeiro e disse, com a força da última resolução de sua vida: “Quando eu morrer, eu vou contar tudo a Deus”. O menino tinha apenas três anos. Ivana Rebello.
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