A invasão foi vitoriosa e multidões exultaram nas ruas. Soldados e populares se confraternizaram nas principais cidades, sobretudo Buenos Aires. Mas, depois a casa caiu. O Norte de Minas é terra considerada de gente brava. De lá saíram mineiros que participaram de grandes embates em que se envolveu a nação ou as províncias e estados. Basta aprofundar-se um pouco na leitura na história. Da Guerra do Paraguai para cá, moradores de nossas montanhas ou das planícies jamais fugiram às refregas. A imprensa que se faz por aqui sempre foi vigorosa e sem medo. Lembrar é preciso da Guerra das Malvinas, quando Margaret Thatcher se tornara primeira-ministra do Reino Unido, pela eleição em 1979 dos conservadores, abrindo as portas dos anos 1980, quando se privatizou a maior parte do setor público. Foi o período em que os ingleses descobriram petróleo no Mar do Norte. Em 1982, fortalecida pela vitória sobre a Argentina na chamada Guerra das Malvinas, Londres se julgou nas alturas. Buenos Aires viveu o outro lado da moeda. Um dos poucos jornalistas brasileiros a cobrir o conflito e o único de Minas, Celso Fernando Zuba, nascido em Montes Claros, no considerado ainda remoto sertão, começara a carreira na imprensa local, na “Gazeta do Norte”, depois no “Diário de Montes Claros”, além de participar de outros periódicos, inclusive da revista “Encontro”. Derrotada 30 anos entes na guerra pelo controle do arquipélago, a Argentina julgou chegada sua vez e hora de virar o jogo. E era especialmente importante, porque sua situação econômica era gravíssima, a nação dirigida pelos militares em ditadura, e a população convicta de que as ilhas eram um território seu e direito intransferível da nação. As Malvinas se localizavam ali mesmo, do outro lado de uma faixa atlântica, e a Inglaterra se situava muito distante, num outro continente. A Casa Rosada pensou em agir judicialmente e o governo britânico admitiu discutir a soberania das ilhas, desde que seus 30 mil habitantes formulassem o respectivo pedido. As tentativas de solução diplomática não evoluíam, mesmo com intervenção dos Estados Unidos. Em 2 de abril de 1982, o presidente Reagan conversou com o colega Galtieri, da Argentina, sem resultado, quando forças do país sulino já eram mobilizadas para ocupar as Malvinas. Ou Falklands, como usavam os britânicos. Com o início da ocupação pelos argentinos, igualmente 2 de abril, reagiram os britânicos, em cuja eficácia não acreditavam os contendores. No dia 5, porém, unidades da Tax Task Force partiram para o Atlântico, podendo-se dizer que principiava oficialmente o conflito.
Os generais platinos, abalados em prestígio, acharam chegado o ensejo de assenhorear-se das Malvinas, reabilitando-se o governo perante o povo. A invasão foi vitoriosa e multidões exultaram nas ruas. Soldados e populares se confraternizaram nas principais cidades, sobretudo Buenos Aires. O mundo se dividiu. A Casa Branca não se solidarizou com Buenos Aires, preferindo perfilhar com a Inglaterra, sua aliada em grandes conflitos. A Rússia deu apoio tímido, mínimo. O Chile, ainda ferido com a questão do canal de Beagle, permitiu acesso em seu território de aviões ingleses em voo para as Falklands. O Brasil silenciou. Dois milhões de dólares foram utilizados pelos ingleses. Houve mais de mil mortos, além de feridos e desaparecidos. As Malvinas seguiram Falklands. A capitulação argentina se deu em 14 de junho de 1982. Em menos de dois meses, a popularidade de Margareth Thatcher chegara ao ápice. Os militares em Buenos Aires entraram em plano inclinado até a frustração final. Décio Gonçalves de Queiroz, diretor do extinto “Diário de Montes Claros”, conta como conheceu Zuba: “Apareceu na nossa redação um menino gordinho, espinhas no rosto, boa pinta, cabelos bem cuidados, calça jeans e camiseta vermelha que, com seus olhos arregalados, se identificou”: Foi logo dizendo que era seu sonho ser repórter. Assim, começou a carreira de um profissional raro. Seduzido em anos de profissão, foi incumbido de cobrir a Guerra das Malvinas, voando de São Paulo para Buenos Aires pela Aerolineas Argentinas, num imenso Boing que não tinha mais do que uns quinze passageiros. “Daí a sensação de grandeza – e também de vazio”, “a sensação de perigo vindo e indo em lampejos”, mas não faltava bom vinho servido generosamente pela comissária. Descrever o desenrolar dos fatos exigiria mais espaço, e o já repórter o faria depois, no livro “Crônicas de Guerra”. Inicialmente, o Hotel Sheraton, em Buenos Aires, onde funcionava o Centro de Informações das Forças Armadas, de onde saíam todos os comunicados. Confessa o jornalista: “Alguns fatos diretamente ligados ao conflito e outros correndo à margem dos acontecimentos deixaram marcas em minha presença na cobertura da Guerra das Malvinas. O replay, em clima de terror e comoção, ainda nos faz reviver como se de novo encontrasse ali, a cena das dezenas de corpos de jovens marinheiros da guarnição do cruzador “General Belgrano” (torpedeado e afundado pelos ingleses) chegando em Bahia Blanca. Mais de 300 resgatados do mar entre destroços fumegantes e envoltos em sacos pretos de plástico, eles vão sendo alinhados ao longo da pista de pouso”. Fernando Zuba cobria o conflito no sul do continente, preocupado com a rotina das sessões de hemodiálise semanalmente, a doença hemorrágica hereditária e sem cura, que aflige 13 mil pessoas no Brasil presentemente. Além dos eventos
hemorrágicos alterarem o sistema biológico do paciente, ele precisava de um tratamento multidisciplinar. Mas o jornalista fora para o front como se os cuidados fossem dispensáveis. Fábio Doyle, jornalista, advogado, diretor de diário em BH, da Academia Mineira de Letras, que já partiu de nosso convívio, comentou: “Um dia (Zuba) nos deixou. Foi seguir o seu destino. Por onde andou, deixou sua marca de talento, de correção, de ética, de respeito”. A Guerra das Malvinas, que durou 74 dias, foi apenas uma das suas façanhas. Não foi um conflito qualquer; talvez tendo contribuído para diminuir “a alegria no ambiente perfeito, onde trabalhar é um prazer”, como sentenciou Ivan Drummond. Ao regressar ao Brasil e escrever seu livro, relacionou perdas argentinas e inglesas: GRÃ-BRETANHA Marinha: 111 navios (40 da Royal Navy), 24 da Esquadra Auxiliar e 45 mercantes requisitados; 3ª. Brigada de Comandos dos Royal Marines (3 batalhões), um regimento de artilharia e outras unidades especiais de comandos. Exército: um batalhão de paraquedistas, uma brigada de infantaria, um batalhão Gurka (integrado por nepaleses) e tanques leves Scorpion e Scimitar. Aviação Naval: helicópteros Lynx Mk2 e Sea King Mk5; caças Sea Harrier. Perdas: 255 mortos e 777 feridos; 10 aviões e 24 helicópteros destruídos; 2 destroiéres, 2 fragatas e 2 navios auxiliares afundados; 3 destroiéres, 3 fragatas e 2 navios auxiliares avariados. ARGENTINA: Guarnição Militar das Malvinas: 10.000 homens do Exército, incluindo algumas unidades de fuzileiros navais, veículos blindados Panhard, aviões Pucará, Hércules C- 130, helicópteros Bell UH e Puma; caças Skyhawk, Dagger, Mirage III e Super Etendard (operando desde o continente). Perdas: 1.000 mortos e número não divulgado de feridos; 76 aviões e 26 helicópteros destruídos; 1 cruzador, 1 barco patrulha e 3 navios auxiliares afundados; além de dois barcos patrulha avariados. O grande Zuba, conterrâneo e companheiro de profissão, poderia ter vivido mais: nasceu em 15 de setembro de 1947 e partiu em 31 de outubro de 2010.
|