Há datas que marcam a família, cidade, província ou estado, uma nação, um povo. Seis de fevereiro de 1930 foi aquele dia que assinalou a cidade de Montes Claros, no distante sertão mineiro, chamando atenção do Brasil. A cidade já gozava de prestígio na política e na economia, principalmente com o início de operação da rede ferroviária, a Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1926.
Crescera com a chegada de famílias de várias regiões do país. Renascera a esperança de futuro luminoso, de progresso municipal e de riqueza para os que lá se instalaram. Repercutiam ainda os reflexos do governo Artur Bernardes, em suas escaramuças com o Palácio do Catete. Com Washington Luís na presidência da República, acentuaram-se os ânimos políticos, enquanto se expunha à consideração do eleitorado a proposta de poder da dupla café-com-leite alternando-se a chefia nacional: em quatriênio um paulista, um mineiro a seguir.
Controvertido e prepotente, Washington Luís apresenta Júlio Prestes, de São Paulo, para sucedê-lo, com eleição marcada para 1º de março de 1930. É quando se apresenta à cena o presidente mineiro Antônio Carlos, com credenciais históricas, opondo-se tenazmente ao Catete.
Formou-se, então, a Aliança Liberal com apoio do Rio Grande do Sul e Paraíba, que lançaram os nomes de Getúlio Vargas e João Pessoa, representantes do Sul e do Nordeste, para a presidência e vice.
Milene Antonieta Coutinho Maurício, com um livro premiado, sintetiza: “Estava assim definida a competição eleitoral que, muito logo, assumiu marcas de facciosismo do Governo Central, o que, muito logicamente, acendeu o estopim de conflitos que passaram a ocorrer nos diversos pontos do País”.
No Norte de Minas, consubstanciando um projeto antigo, agendou-se para 7,8 e 9 de fevereiro um Congresso de Algodão e Cereais, acentuando-se seu viés político e reunindo várias cidades da região, sob Presidência de Honra de Fernando de Mello Vianna (foto), vice-presidente da República e ex-presidente de Minas, de Manoel Thomaz de Carvalho Brito e do Conde Alfredo Dolabela Portela, chefe da Concentração Conservadora.
Nas principais estações pelas quais passava a composição férrea, havia manifestações em favor dos candidatos à presidência da República, Júlio Prestes e Mello Vianna, ao Palácio da Liberdade. Muitos discursos e foguetes até que se chegou a Montes Claros, sede do congresso, que deveria ser do Algodão e dos Cereais. Pelo menos, era o que se propagava.
Prevendo possíveis choques com adversários, os próceres e autoridades de Montes Claros soltaram boletins pedindo à população que evitasse comparecer aos eventos programados e se envolver em discussões de qualquer natureza e escaramuças. Mas os ânimos se exaltavam.
A escritora Milene Antonieta revela que foi enorme o comparecimento à chegada do candidato à estação da Central. Era a primeira vez que visitava o sertão mineiro um vice-Presidente da República, em campanha para o governo de Minas. Terminada a recepção tão festiva na gare, formou-se uma passeata que percorreria as ruas, com um itinerário definido. Uma banda de música tocava o dobrado 220, secundada pelo foguetório, por gritos e vivas a Prestes e Mello Vianna. Um grupo de rapazes, à frente, atirava bombas, e gritava vivas com estribilho em favor dos candidatos da Concentração Conservadora.
Sem se saber por que, o percurso da passeata foi mudado, convergindo à direita, para percorrer a Praça Gonçalves Chaves, onde residia o chefe aliancista, João Alves. Era em torno de 23 horas, um pouco mais quando desfilavam em frente à residência sobremodo conhecida. João Alves e Mello Vianna eram velhos conhecidos. O médico desejava demonstrar publicamente não ter receio. Foi quando alguém do cortejo gritou: “Morra a Aliança Liberal”. O médico e político levantou um lenço vermelho e gritou tranquilo: “Viva a Aliança Liberal”.
Incontinenti, uma bomba explodiu a seus pés. Ele, hipertenso, sofreu uma hemorragia, com crise de tosse e sufocamento, parecendo ferido a bala. Simultaneamente, um rapazinho que ele criava, a seu lado, levou um tiro na cabeça e caiu ao solo. Nunca se soube de onde e de quem partiu o primeiro tiro. Parecia que todos ali se achavam armados e prontos para uma batalha. Eram, muitas dezenas na multidão, alguns se jogaram ao chão, outros corriam afoitamente para fugir ao tiroteio. Havia a notícia de que um grupo de jagunços de Granjas Reunidas, onde havia um grande empreendimento industrial dos Dolabella, se tinham infiltrado. O pânico na transposição de um dia para outro se estabeleceu, de 6 para 7.
Foram apenas minutos, mas o tumulto deixou estigmas. Corpos tombados foram transportados à residência antes festiva de João Alves e Tiburtina, que prestaram os primeiros socorros, enquanto o marido ainda sofria efeitos da crise cardíaca. Ela acomodava na dependência da casa os feridos e os mais nervosos. Aos ensanguentados dava assistência emergencial. Enfim, o violento choque deixara seis mortos e muitos feridos. Lá fora, os remanescentes escaparam às carreiras à estação ferroviária e o trem começou a fazer a viagem de volta em marcha-à-ré.
O episódio trágico ganhou dimensões nacionais. Uma das vítimas fatais fora Rafael Fleury da Rocha, como o poeta João Soares da Silva, aquele secretário particular do vice-presidente, ferido com um tiro na cabeça e com estilhaços do projétil disseminados em derredor, inclusive Mello Viana.
Washington Luís, no dia seguinte, se manifestou: “São Paulo como todo o Brasil Republicano e civilizado, profliga indignado o bárbaro atentado que à semelhança de uma Emboscada de Bugres, ensanguentou a nobre terra de Minas”.
O padre Aderbal Murta, da Academia Montes-clarense de Letras, escreveu: “De início, no calor das paixões enfurecidas, na insegurança das dúvidas, na irresponsabilidade das interpretações irrefletidas, o episódio de Montes Claros chegou a ser o estopim da Revolução de 1930, de proporções nacionais e decisivas para a própria história do Brasil”.
Neste 2023, registra-se o aniversário de Tiburtina Andrade Alves, nascida em 10 de agosto de 1873, na pequenina São João Batista, hoje Itamarandiba. São decorridos 150 anos de profundas transformações no Brasil. O nome dela permaneceu vivo e lembrado.
De D. Tiburtina, esposa do líder aliancista de Montes Claros, se falou tudo o que de mal se poderia: Uma pessoa perversa, que perpetrara o episódio macabro do Norte de Minas, causador de tantas mortes e lágrimas às famílias.
Houve, entretanto, veementes contestações, inclusive da Imprensa: Assis Chateaubriand, diretor dos Diários Associados, se expressou, publicamente:
“A presença daquela senhora me deixara surpreso. Aquela mulher que eu tinha ante os meus olhos, em atitude de tal energia, me fazia recordar certos personagens de lendas de que eu ouvira falar quando menino”.
*Ouvidor e editor do jornal Santa Casa Notícias, Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Associação Mineira de Imprensa, Academia Montes-Clarense de Letras, Academia de Letras de Salinas, Academia de Letras, Ciência e Artes do São Francisco, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Sócio Honorário da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.
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