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Mensagem: Maior pandemia na história da humanidade, a Gripe Espanhola (H1N1) de 1918 fez o brasileiro recorrer aos livros de história diante das semelhanças de comportamento com a incidência da atual COVID-19. Os efeitos de 102 anos atrás chegaram também a Montes Claros. Os hábitos mudaram radicalmente, com o isolamento social e fechamento de comércio diante do risco de morte. O estudo é do professor César Porto, do Departamento de História da Unimontes, e revela como a cidade conviveu com a pandemia, assunto que foi narrado em um de seus livros pelo imortal da ABL, Cyro dos Anjos, quando ainda residia na cidade. Um dos fatos de destaque foi a montagem de um hospital de campanha onde hoje funciona no Museu Regional. *** Gripe Espanhola em MOC fechou lojas e fábricas e transformou escola em hospital, revela pesquisador da Unimontes Um relativo isolamento social, comércios fechados, aulas suspensas, casos suspeitos e confirmados e o trabalho intenso na área da saúde na tentativa de curar os doentes e minimizar os riscos de contágio. A descrição que poderia ser também de hábitos e fatos dos dias atuais em tempos de enfrentamento do Novo Coronavírus (Covid-19) é de uma Montes Claros de 102 anos atrás, acometida pelos efeitos da Gripe Espanhola que, até então, é considerada a mais agressiva pandemia de todos os tempos, com 50 milhões de óbitos em vários países, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os detalhes de como a doença acometeu os montes-clarenses e mudou a rotina da cidade são contados pelo professor César Henrique Queiroz Porto, do Departamento de História da Unimontes, no artigo “Gripe Espanhola e a Imprensa Escrita de Montes Claros em 1918”, produzido a partir de pesquisas nas edições da extinta Gazeta do Norte. O texto representa o capítulo II da coletânea “História na Imprensa e Imprensa na História”, livro lançado em 2016 pela Editora Paco (SP) sob organização da professora Rejane Meireles Amaral Rodrigues – também da Unimontes. A CHEGADA Há duas versões parecidas sobre como a Gripe Espanhola veio parar no Brasil, em setembro de 1918. Numa delas, o vírus teria chegado com os passageiros do navio inglês Demerara, que aportou em três das três principais cidades do País à época (Recife, Salvador e Rio de Janeiro). Na outra, a doença aportou em terras brasileiras com o desembarque de soldados brasileiros em Pernambuco – após uma missão em Senegal (África). Ambas são trabalhadas como oficiais por fontes sanitaristas nacionais, em especial a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No caso de Montes Claros, segundo o professor César Queiroz Porto, suspeita-se que o vírus da Gripe Espanhola (H1N1) tenha chegado à cidade a partir do trânsito de pessoas de outras partes do Estado e da região do Norte de Minas vindas pelos barcos vapores, à época bem comuns como transporte de passageiros pelo leito do Rio São Francisco, ou pelo transporte em linha férrea, cuja estação mais próxima estava em Várzea da Palma – além da passagem de pessoas que possivelmente vieram de outros estados. A CIDADE Ele explica que a Montes Claros de 1918 pouco lembra a atual. O município tinha uma extensão territorial bem maior: incorporava ainda as vizinhas Mirabela (antiga Bela Vista) e Juramento, por exemplo, e outras áreas que se emanciparam mais adiante. Grande parte dos 40 mil habitantes residia na zona rural. “Havia poucos moradores no núcleo da cidade; talvez nem duas mil pessoas”, acrescenta o pesquisador. A expansão mesmo viria a partir de meados da década de 20, após a chegada da ferrovia. Outra fonte de pesquisa, além do acervo da Gazeta do Norte, está em relatos e em obras do escritor montes-clarense Cyro dos Anjos, que mais tarde se tornaria imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em seu livro “Explorações no Tempo”, na página 150, Cyro afirmou: “essa famosa gripe de 1918 levou toda a minha família para a cama, e só eu e meu pai ficamos de pé´. O professor da Unimontes entende que, provavelmente, pessoas de outras famílias fez o que muitos pensaram agora: se isolar numa fazenda para fugir do risco de contágio. MORTES O Brasil foi acometido pela segunda onda da Gripe Espanhola, no segundo semestre de 1918. A precariedade dos serviços de saúde e no sistema sanitário das cidades, a começar pelos grandes centros, teve influência no número de óbitos. O Rio de Janeiro, então capital federal com 700 mil habitantes, foi a cidade mais atingida, com 15 mil mortes (e 1 mil desaparecidos), seguido por São Paulo, que tinha em torno de 500 mil moradores (5,3 mil óbitos). Em Belo Horizonte, segundo os registros oficiais, foram 206 casos fatais de pacientes da H1N1 entre os seus 45 mil habitantes. Montes Claros sofreu os efeitos da doença mais ao final do ano, entre novembro e dezembro, e teve, em média, 50 mortes causadas pela Gripe Espanhola. “O pico maior foi de três a quatro semanas. Tudo parou no comércio, inclusive o Mercado. Foram fechadas as duas fábricas de tecidos que a cidade tinha e empregavam dezenas de trabalhadores. As aulas foram interrompidas e foi preciso criar um hospital de campanha improvisado na Escola Normal, onde hoje funciona o Museu Regional, para atender os doentes”, descreve o historiador. Ainda segundo ele, como já estava em novembro, o ano letivo provavelmente foi suspenso. A Santa Casa já existia à época. O pesquisador, que tem um trabalho paralelo para a produção de um livro sobre os 150 anos do maior hospital do Norte de Minas, se revela surpreso ao encontrar poucos registros que associem a Santa Casa à epidemia da Gripe Espanhola na cidade. “O contágio era muito rápido e perigoso. Apesar de a maior parte dos doentes ter se tratado no hospital improvisado, não podemos afirmar ou descartar que um ou outro doente não tenha sido tratado na Santa Casa”. Ao todo, no Norte de Minas, segundo a Gazeta do Norte, quase cem pessoas perderam a vida por causa da Gripe Espanhola. PERSONAGENS O estudo do professor da Unimontes revela o nome de João Alves como o principal personagem no enfretamento da Gripe Espanhola. Na época, não existia o cargo de prefeito e o presidente da Câmara assumia a função de agente executivo municipal. “João Alves era o presidente do Legislativo e isto, de certa forma, equivalia ao posto de prefeito”, explica César. Foi criado no município um comitê de socorro para coordenação dos esforços de combate à epidemia. João Alves, que era um dos poucos médicos da cidade naquele período, liderou este movimento ao lado de mais um vereador: major Honor Sarmento. Outro apoiador determinante foi o também médico Marciano Alves Maurício. “João Alves era uma pessoa bem popular, que fez um chamamento e “recrutou”, por exemplo, o farmacêutico Mário Veloso para ajudá-lo a tratar dos doentes”, relata o historiador. César Queiroz Porto acredita que, como a cidade foi atingida pelo vírus mais ao final do período mais crítico no País, o número de mortes não foi tão expressivo. “Diria que o ciclo foi rápido, com abrangência em torno de um mês. O assunto foi tão frequente que as manchetes da Gazeta do Norte, que circulavam a cada dois dias, eram somente a tal Gripe”. Segundo a pesquisa, João Alves era discípulo de Carlos Versiane, um dos fundadores da Santa Casa e, de fato, o primeiro médico de Montes Claros. “Ambos eram clínicos bastante populares, daqueles que cuidavam das pessoas praticamente no meio da rua. Quando não tinham o remédio para dar, metiam a mão no bolso e davam o dinheiro para que fosse comprado”, destaca César. Mesmo diante de tamanha rivalidade política que existia entre as famílias Alves e Prates, a cidade se uniu para homenagear o médico após a epidemia. “Ele foi homenageado; teve o reconhecimento até dos adversários políticos, como Camilo Prates. Ganhou um relógio, com direito a solenidade e discurso em praça pública, e foi denominado o ‘Apóstolo da Caridade Sertaneja’”.
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