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Mensagem: UM JEITO CHAPLINIANO DE SER Alberto Sena Uma cidade se transforma em metrópole quando ela perde os seus tipos humanos. Nem sei se ainda existe algum tipo humano hoje em Montes Claros. Não moro aí desde fevereiro de 1972, mas presumo, pode haver um ou mais em cada um dos mais de 350 bairros de Montes Claros. Na época em que eu podia encontrar comigo mesmo em cada esquina, décadas de 50/60/70 muitos eram os tipos humanos, a começar do principal deles, o negro Tuia, natural de Grão Mogol. Ele tinha a língua cortada e carregava na cacunda a fama de ser ex-escravo. Era uma figura querida. Vivia com uma bituca de cigarro atrás da orelha, chapéu amassado na cabeça, vara em punho para afastar dele as pessoas inconvenientes. Tinha uma casinha azul de madeira na garagem do casarão onde funcionava a redação do O Jornal de Montes Claros, na Rua Doutor Santos, 103, onde é hoje uma agência bancária. Além de Tuia havia vários outros. Muito já se falou a respeito deles. Havia o “Requeijão”. Só de falar o epíteto dele de sua boca saíam os mais pesados impropérios. Havia “João Doido”. Este andava pelas ruas meneando a cabeça para um lado e para o outro. O tempo todo falava sozinho, dizia frases desconexas. Assim como também o pequeno apelidado de “Galinheiro”. Ele sempre estava segurando com a mão um saco às costas. Mas havia outro, famoso chamado Manoel Nunes da Silva, epitetado “Manoel Quatrocentos”. Era um indivíduo de estatura baixa, parrudo, olhos verdes, uma verdadeira “mala velha”, sempre sorridente. Manoel era chamado também de Mané. Uns abreviavam chamando-o de “Mané 400”. Levou o apelido porque tudo dele, ao dar o preço do seu trabalho, era “400, 400 reis”. E assim ficou. Mas o que mais o marcava eram as tiradas dele. Sempre acabavam em “alalaika”. A gente sabe o quanto os brasileiros são curiosos. Mané também sabia, e, então, “alalaika” neles. Era vivido o Mané. Viajou por alguns países da América do Sul. Talvez tenha vivido algum tempo na Argentina. Ele gostava de se exibir falando espanhol, inglês e francês. Nunca soube se afinal de contas, era mesmo poliglota. Inteligente e esperto, sim. Pode ser que tenha gravado algumas palavras nas três línguas e vivia repetindo-as. Quem for mais antigo do que eu e souber mais coisas sobre Mané, tome à dianteira. Ele estava sempre acompanhado do inseparável machado. Ganhava dinheiro rachando lenha, abatendo o que precisava ser cortado. Tinha uma maneira particular de segurar o machado. Às vezes estava num dos ombros. Noutras vezes, ele segurava o machado numa das mãos e o cabo ficava rente ao corpo com a ponta para cima. Mané conhecia muita coisa fora do âmbito de Montes Claros. Os artistas da época, fabricados em Hollywood, eram todos seus amigos e ele conhecia a intimidade de cada um, como se tivesse convivido mesmo com eles. Uma prova, se assim posso dizer, da nobreza de Mané é a foto usada para ilustrar o texto. Pelas aparências, ele tinha posses e bons costumes. Vestia-se bem. Na época dele, as pessoas se vestiam assim – terno, gravata e chapéu – dia e noite. A foto em frente a um carro denota o bom gosto dele. Se o carro era dele não se sabe. A foto me foi enviada por WhatsApp pelo sobrinho André Senna. Mesmo o carro não sendo dele, pelo menos Mané esbanja elegância. Em Montes Claros, ele foi o precursor das “pegadinhas”. Às vezes parava na esquina de uma das ruas do centro da cidade e ficava olhando para cima, com os olhos fixos n’algum lugar. As pessoas paravam e olhando para ele, perguntavam: - O que está vendo? - Lá – ele apontava. - Lá onde? - Ô lá lalaika – e saía rindo. Havia quem não gostava dessas brincadeiras, mas não tinha como reagir contra ele. Era uma pessoa simples, fina, comunicativa, prestativa. Mané tinha um jeito chapliniano de ser. Ele deixava transparecer esse jeito toda vez ao aplicar em alguém desavisado um bem humorado “ô lá laika”.
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