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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 16 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A “PÓS-VERDADE” EM UM BRASIL DE DESLETRADOS * Marcelo Eduardo Freitas A cada ano, a Oxford Dictionaries, departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, elege uma palavra para a língua inglesa. Neste ano de 2016, a escolhida foi “pós-verdade” (“post-truth”). Além de eleger o termo, a instituição definiu o que é a “pós-verdade”: em síntese, um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A palavra, desta maneira, tem sido usada por quem avalia que a verdade está perdendo importância, mormente no debate político. Em um Brasil de desletrados, então, nem se fala. O termo “pós-verdade”, com a definição atual, foi usado pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Ele tem sido empregado com alguma constância há cerca de uma década, mas houve um pico no uso da palavra, que cresceu 2.000% em 2016. Para diversos veículos de imprensa, a proliferação de boatos no Facebook e a forma como o feed de notícias funciona foram decisivos para que informações falsas tivessem alcance e legitimidade. Este e outros motivos têm sido apontados para explicar a ascensão da “pós-verdade”. Outras plataformas como Twitter, Telegram e Whatsapp favorecem a replicação de boatos e mentiras. Grande parte dos factóides são compartilhadas por conhecidos nos quais os usuários têm confiança, o que aumenta a aparência de legitimidade das histórias. Segundo a revista The Economist, o mundo contemporâneo está substituindo os fatos por indícios, distorções por vieses, percepções por convicções. Estamos saindo da bipartição tradicional entre certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, fatos ou versões, verdade ou mentira para ingressarmos numa era de avaliações fluidas, terminologias vagas ou juízos baseados mais em sensações do que em evidências. A verossimilhança ganhou mais peso que a comprovação! 2016, assim, está sendo o ano em que a verdade dos fatos não está importando para a opinião pública, despontando como o mais representativo dessa nova era. E “pós-verdade” talvez seja mesmo a expressão que melhor define a sensação de incredulidade diante do que testemunhamos no decorrer do ano que ainda não acabou. À guisa de exemplo, mesmo com um repertório de mentiras assustadoras, milhões de pessoas decidiram votar em Donald Trump. Não importa se os fatos comprovaram sua compulsividade em mentir. O que vale é a emoção - a mesma que levou a população a apoiar uma guerra para impedir que o inimigo usasse armas de destruição em massa que, em verdade, nunca existiram. Outro exemplo: Atribuir a qualquer investida em desfavor dos supersalários ou do auxílio moradia a capacidade de afetar a operação Lava-Jato. Mentira escancarada! Tanto deve prosseguir a mencionada operação, quanto as ações que objetivam pôr termo a caprichos imorais e inaceitáveis, especialmente em tempos de terríveis crises econômicas (não vou nem me referir à crise moral!). É um caso típico de aplicação da teoria da “cognição preguiçosa”, criada pelo psicólogo israelense e prêmio Nobel Daniel Kahneman, para quem as pessoas tendem a ignorar fatos, dados e eventos que obriguem o cérebro a um esforço adicional. Em países atrasados como o Brasil, onde a população quase sempre não processa o que vê, ouve ou lê, o risco de distorções é absurdamente enorme. Por isso, toda preocupação nunca será pouca. A verdade, a despeito das diversas correntes filosóficas que não encontram um consenso absoluto sobre sua conceituação, pode ser definida, em sua acepção comum, como a ´conformidade com o real´, ou a ´representação fiel de alguma coisa da natureza´. Santo Agostinho a define da seguinte forma: Verum est id quod est, ou seja, a verdade é o que é. Pode-se dizer, destarte, que a busca da verdade, presente em todas as áreas do conhecimento, é um anseio da alma humana, e que nasce concomitantemente com o ser humano. A filósofa paulistana Marilena Chauí ensina que ´a busca da verdade está ligada a uma decepção, a uma desilusão, a uma dúvida, a uma insegurança ou, então, a um espanto e a uma admiração diante de algo novo ou insólito”. Como nada mais espanta a humanidade, a “pós-verdade” se expande. É tempo, portanto, de uma aplicação contemporânea do velho brocardo romano: veritas est indivisa et quod non est plene verum non este semiplene verum sed plene falsum, ou seja, a verdade é indivisa e o que não é plenamente verdadeiro não é semiplenamente verdadeiro, mas plenamente falso. Estamos cultuando e replicando, às vezes de modo insciente, em razão da “cognição preguiçosa”, mentiras deslavadas. É urgente criarmos mecanismos para dificultarmos que mídias sociais, sem censura por parte de quem quer que seja, propaguem noticias falsas aos seus usuários, distorcendo fatos ou criando situações absolutamente inexistentes. A história ainda não nos libertou de tiranos e assassinos. Olhemos um pouco no retrovisor. A propaganda nazista, fervorosamente defendida por Goebbels, permitiu o extermínio de milhões de judeus. Não duvidem, portanto, de que outros anticristos possam surgir, maquiando a imagem do real. Ergam suas cabeças e olhem a parte superior de nosso mapa continental. Se promessas de campanhas forem cumpridas, haverá choro e ranger de dentes. Melhor, assim, que seja apenas “pós-verdade”. Afinal, parece que os seres humanos, cada vez mais, adoramos observar sangue, suor e lágrimas, especialmente de inocentes indefesos. (*) Delegado de Polícia Federal e Professor da Academia Nacional de Polícia

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