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Mensagem: Sobre o Carnaval Isaías Caldeira Quando tinha 16 anos escrevi um texto exaltando a chegada do carnaval. Hoje, décadas após, me vejo escrevendo outro, mas agradecendo o seu final. Nessas quatro décadas, ambos mudamos, quem escreve e o período de Momo,este pela permissividade atual, o escriba pelo arrefecimento dos hormônios, induzindo os cabelos brancos e a pouca vontade com festividades. Naquele tempo vivíamos governos militares, com censura aos costumes e a liberdade política, mas os jovens buscavam como desiderato o exercício do poder sobre o próprio corpo e de expressarem-se livremente sobre questões nacionais. Desde então existia, nessa época festiva, uma expansão das liberdades, notadamente aquelas referentes aos costumes, permitindo-se alguns excessos, especialmente das mulheres, até então sujeitas ao pátrio poder ou sob o guante de homens conservadores. A vigilância severa dispensada às moças deixava frestas para ousadias a mais nos salões, e era possível ao folião mais arrojado o usufruto de alguns dotes femininos, até então guardados sob o pesado tecido da moral vigente. Em geral não se ia além de beijos e abraços mais voluptuosos, mas era o combustível suficiente para dias, até meses, de parolagens entre amigos, dependendo do grau de dificuldades de acesso à foliona , onde contavam beleza e o percurso feito- se mais difícil, mais loas ao felizardo. Os homens usavam o carnaval para suas conquistas amorosas, enquanto as mulheres buscavam mesmo divertirem-se nos clubes e salões. Se na quarta-feira de cinza não tivesse o folião algum a aventura para contar, era imperativo que inventasse, sob pena da galhofa dos amigos, ao par com a sensação de derrota que o afligia intimamente. Bebia-se, mas drogava-se, ilicitamente, menos. O lança-perfume era proibido, mas não havia fiscalização e era comum o uso de lenços umedecidos da substância estupefaciente nos salões, às vezes por pais e filhos, naquelas famílias mais modernas. Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes, dizem os versos poéticos, e nos tempos atuais, com a liberação sexual, são as moças que vão aos bailes em busca de namoros fugazes, não raro estreitados no altar de Afrodite, enquanto os rapazes, enfadados do acesso fácil às primícias femininas, voltam-se para bebedeiras homéricas , quase sempre acompanhadas de cenas de pugilato entre contendores embriagados. Sem frenagens à libido e sem as amarras da moralidade, não há mais espaços para novidades nos bailes e adereços, esgotado o arsenal criativo dos foliões, já despidos das fantasias reveladoras de pulsões represadas e que agora deixam expostas, sem máscaras ou artifícios, onde perversões imaginadas pelo Marquês de Sade ficam ao longe das proezas reveladas pela mídia em geral. Não faço aqui censura moral, pois todo moralista é um canalha enrustido, mas mera observação crítica, afinal é preciso um pouco de mistério nas coisas, sob pena do fastio, do cansaço próprio do que se revela em demasia ou se tem acesso fácil. Algumas matronas, já bem rodadas e conhecidas, deram de se declararem homo afetivas, posando para fotos em lânguidos beijos com presumíveis “namoradas”, em cenas teatrais capazes de renderem manchetes em jornais sensacionalistas, à míngua de outros atributos que lhes mantenham sob os holofotes, perdido o espaço para “rainhas do carnaval” mais jovens e “ saradas”. É preciso chamar às atenções, mais que divertir-se, nestes tempos. As coisas mudam, nem sempre para melhor. Também as pessoas comuns sentem uma vontade, mesmo compulsão, para viagens a outros lugares, sejam cidades históricas ou praianas, em busca de outros carnavais, quando poderiam, se quisessem, fazê-los na própria cidade, se nada impede que se organizem em blocos, criando um ambiente festivo, em desfiles nas ruas ou clubes, na aprazível companhia daqueles conviventes de todos os dias. A felicidade sempre está longe da gente, ou sempre a pomos onde não estamos, novamente recorrendo à poesia. Ainda sem os achaques da velhice, mas em idade claudicante nas vontades, preferi ficar longe das folias, indo descansar no sítio, com familiares e amigos, numa sensação de liberdade gratificante, com um sentimento de completude e paz. Embora saudoso daqueles carnavais, que ainda ecoam em minha memória, mas consciente que o novo sempre vem e que é preciso que cada geração cometa seus próprios erros, pois é deles que tirarão as lições necessárias à construção de seus destinos. Aos foliões de ontem resta a tolerância ao que não entendem ou assimilaram, mesmo porque vida tem seu conteúdo personalíssimo, onde a subjetividade determina a relação das pessoas com o que é contemporâneo. No mais, aos mais velhos é bom que guardem suas vivências para uso pessoal, pois como disse o maior memorialista nacional, Pedro Nava, “a experiência é um carro com os faróis para trás”. N. da Redação - Isaias Caldeira é Juiz de Direito em M. Claros.
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