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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 18 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Saudades Isaias Caldeira “ Corram meninos, já vem chuva, e chuva nova faz mal”, ouviram as crianças o grito da mãe ao longe. Tomaram então o rumo da casa, aonde chegaram junto com os primeiros pingos. A primeira chuva em meses de seca. Trouxe consigo o vento forte, bandoleiro, sem rumo certo, o que era, segundo a experiência sertaneja, bom sinal. Foi de tal intensidade que todos foram alojados debaixo da mesa grande, que ficava na sala , afinal era possível que uma telha caísse, arrancada pelo vento, protegendo-se também dos respingos que atravessavam o telhado. Durou cerca de meia hora, mas intensamente. Depois, os pingos rarearam, e todos foram para o alpendre, onde os adultos ficaram, enquanto os meninos corriam para as enxurradas, tentando fazer pequenas barragens de terra, que logo se rompiam ou desviavam as águas para outros rumos. O cheiro de terra molhada espalhava-se no ar . Então vinha uma alegria que só o sertanejo entende, com as pessoas fazendo planos das lavouras plantadas no pó, ou por plantarem, tecendo considerações sobre o período chuvoso advindo, apagando das mentes os dias de sol e seca, como se a vida recomeçasse . Era a estação das chuvas. Para os meninos, era tempo de pularem no rio cheio, descendo na correnteza até por quilômetros, para desespero dos pais. Pegavam tanajuras, que se transformavam em “bois” aprisionados em currais de pedras, sem prejuízo de serem comidas por alguns, após fritas. A passarinhada era só cantigas nas árvores em derredor; bezerros corriam dando pinotes, sob o olhar displicente das vacas; uma profusão de insetos deixavam os ermos onde se escondiam o ano inteiro e enchiam os terreiros das casas, fazendo a festa das galinhas e bem-te-vis. Nos roçados, homens e mulheres se juntavam na lida diária, plantando ou limpando as roças, enquanto contavam “causos”, em geral sobre coisas cotidianas, pois aquela gente simples não admitia maledicências sobre os do lugar, e os malfeitos alheios eram reservados às conversas íntimas, como num confessionário. Se o ano era bom de chuva, havia fartura para todos. Mesmo os mais pobres, sem salário ou renda de qualquer natureza, banqueteavam-se com a profusão de frutas, legumes e leguminosas que abundavam na região. Maxixe e umbus, peixes de todas as espécies, encontrados com fartura nas empoeiras, lagoas e rios, afastavam a fome, então rotineira em algumas famílias. O pirão de farinha agregava seu sabor às demais comidas servidas nas refeições de todas as casas. As crianças refaziam-se, encorpando, assim como os adultos, o que garantia nova safra de meninos dentro de alguns meses. Ninguém falava em governo ou da ajuda de quem quer que seja, ou de sua falta, somente de Deus, a quem eram ofertados todos os agradecimentos. Deus era o governo de todos e somente Dele se valiam, esquecidos dos poderes temporais. O “inverno sertanejo” tingia de verde o mundo, com a vegetação renovando-se com a força das águas, as enchentes alagando os arrozais nas vazantes, e todos ocupados em incontáveis afazeres cotidianos, antes que o tempo chuvoso findasse. Foi assim a infância de todos, até mesmo os da cidade, afinal o Brasil era de população rural, e os citadinos tinham lá as suas origens. Já vai longe aquele tempo de fartura de chuvas, tempo em que todos estavam vivos e a felicidade de todos se entrelaçava, cerzida pelas coisas simples de então. Entanto, em todo verão, de longe ecoam, em forma de saudade, as vozes daquela gente antiga, agora já órfãs de sua presença. E o menino de ontem perscruta os céus, sondando o tempo, e quando as nuvens confirmam o advento das águas, dentro dele grita, daquelas lonjuras que só o coração pode escutar, a mesma voz materna anunciando o temporal que se avizinha, advertindo que a primeira chuva dói, dói, dói.

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