Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.
Clique aqui para exibir os comentários
Os dados aqui preenchidos serão exibidos. Todos os campos são obrigatórios
Mensagem: LEMBRANÇAS DE CÂNDIDO As ideias pululam na mente. Principalmente, à noite. Acontece que sou danada de preguiçosa! Levantar no meio da madrugada nem pensar... Acho que só mantendo um caderno ou caderneta perto do travesseiro. Entretanto, uma lembrança tem insistido em me trazer uma enorme saudade. Fico vendo o meu querido amigo, Cândido Canela, sentado em sua varanda ou em seu pequeno escritório... A lembrança é tão forte que, algumas vezes, penso estar delirando. Desde criança, ouvia papai falar em Cândido, seu grande amigo, e “o maior poeta dos sertões de Minas Gerais”, no dizer de papai. Tinha, pois, desde então, muita admiração por aquela grande figura, mas era alguém muito distante de mim como todos os grandes autores que eu lia!... Já em Montes Claros, era, então, professora do Colégio Tiradentes, quando fui convidada por Ubirajara Toledo para ser entrevistada em um programa chamado “Tribunal da Opinião Pública”, na ZYD7. Isto porque eu estava criando um escarcéu na cidade com minhas aulas para alunos e pais sobre sexualidade. Pois bem, não é que Cândido ouviu minha entrevista e descobriu, com grande “alegria”, conforme suas palavras, que eu era filha de um velho amigo seu? Escreveu, então, para meus pais uma carta que ainda guardo com muito carinho. Papai e mamãe mostraram-me a carta extremamente orgulhosos da filha. E eu quis conhecer o seu autor. Assim, fui visitá-lo, pela primeira vez, acompanhada de meus pais. Identifiquei-me tanto com Cândido que acabamos por nos tornar bons amigos e passei a ser “figurinha” batida em sua casa. Dona Laurinda, sempre acompanhando nossas conversas e preparando o café com biscoitos, era a companheira adorável. Do quê falávamos? Geralmente de livros, autores e fatos. Infelizmente, porém, não guardo, de maneira especial, nenhuma conversa em particular, apenas que ele insistia em dizer que eu era da “esquerda festiva”. O que realmente me marcou em Cândido foi sua simplicidade e humildade. Como todos os grandes homens de verdade, assim a vida tem me ensinado. Encantava-me o carinho e a simplicidade com que me recebia e, mais ainda, sua sinceridade em falar de sua neurose, que o fazia fugir de reuniões. Ele adorava visitas, mas jamais as retribuía. Também para quê? Tinha visitas praticamente todos os dias. Papai e tio Olyntho mesmo eram visitas praticamente diárias Não era um homem de grandes chamas de otimismo. Mas era um homem reto, digno, de caráter impoluto. Apesar de sua alegria em nos receber, eu podia notar que, pensativo demais e filósofo, ele não deixava de apresentar uma certa melancolia. Não sei dizer se isto era uma característica de sua personalidade ou própria da idade, pois, na velhice, acabamos por nos tornar saudosistas... Quando Cândido faleceu, eu não estava na cidade. E um grande vazio passou a tomar conta de mim. Criei o hábito de parar em frente à sua casa e recordar, com lágrimas nos olhos, sua figura e nossas prosas. Um dia, porém, não encontrei mais sua linda e simples casinha. Nada de Cândido, nada do quintal, do papagaio que cantava o Hino Nacional, dos passarinhos e nem de seu jardim. Somente escombros Jamais compreendi como o poder público não fez da casa de nosso grande poeta um museu como tantos que existem espalhados por pequenas cidades deste imenso país, cultuando a memória de seus grandes escritores. Aliás, Montes Claros se caracteriza por ser uma cidade sem memória. E me ponho a pensar: onde um intelectual da estirpe de um Cândido nos dias de hoje? Não estou fazendo pouco dos verdadeiros, mas o único que conheci de sua dimensão, não somente na intelectualidade, mas na humildade, foi Haroldo Lívio que, há um ano, nos deixou. Montes Claros, cidade que produziu um Cândido Canela, um Cyro dos Anjos, Darcy Ribeiro, Nelson Vianna, Hermes de Paula e tantos outros grandes, hoje se tornou “a cidade dos escritores”, isto é, uma cidade onde basta ter dinheiro e publicar qualquer coisa para o indivíduo ser chamado de escritor, Ninguém pensa mais em qualidade, mas em quantidade. Graças a Deus que ainda temos alguns de quem podemos realmente nos orgulhar! São pérolas que a peneira do Tempo haverá de garimpar. Citar nomes seria indelicado, pois outros poderiam se melindrar. Mas, sem dúvida, ainda temos gente de muito valor no campo das Letras! Mas, um Cândido? Onde? Fui, morando aqui, por dez anos, consultora editorial da Vozes, uma das maiores editoras do país e do mundo, e consegui publicar apenas um livro, na área religiosa, de Terezinha Corrêa, que reside em Montes Claros, mas é carioca. O livro de Terezinha, depois de meu estudo e aprovação, teve que passar pelo crivo de um editor da área e por um Conselho Editorial, obtendo total aprovação. Pena que ela não escreveu mais! E eu larguei a consultoria, pois dava muito trabalho e parca renda. Sei, também, que livros regionais de muito valor para a História de Montes Claros e outras circundantes não interessam para grandes editoras que preferem assuntos universais. Bem, finalizando, uma coisa que sempre m trazia de volta a memória de Cândido era tia Yvonne, também sua amiga, recitando o “Nega Fulo”. Quem mais haverá de recitar esta poesia de Cândido com a ênfase de Yvonne de Oliveira Silveira? Ah, a poeira do tempo, que a tudo leva e a tudo transforma!... Maria Luiza Silveira Teles (membro da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros)
Trocar letrasDigite as letras que aparecem na imagem acima